Adolescência: uma inflexão?
- sarahvivian24
- 23 de mar.
- 4 min de leitura

Adolescência, novo fenômeno da Netflix, acompanha o desenrolar de uma acusação de assassinato cujo autor, Jamie Miller, é um menino de treze anos. Passando por temas como paternidades, (cyber)bullying, saúde mental de homens jovens e adultos, a construção da sexualidade e o papel das instituições e internet na formação de jovens, a série nos conduz de maneira lenta, mas hipnotizante, pelos desdobramentos desse crime chocante.
Do ponto de vista da narrativa visual, a minisérie, dividida em quatro capítulos, tem seu ritmo ditado pelo movimento da câmera: um plano sequência sutil que entrega de um personagem a outro o percurso da trama. Tal escolha estética tem um caráter imersivo que nos permite sentir como um observador presente em cena. Ao mesmo tempo que indica o ponto de vista: a câmera é invasiva, focando tête-à-tête com os personagens a fim de nos transmitir angústia, medo, ansiedade, incerteza e compaixão.
Por outro lado, narrativamente, somos jogados no meio do furacão juntamente com todos os personagens. Não sabemos quem são, como são, quais são os seus motivos e como vão operar. Aqui o espectador não tem o privilégio da antecipação: estamos descobrindo tudo, assim como eles e com eles.
Dramaturgicamente, o trabalho do veterano Stephen Graham é emocionante. Há um escalonamento e complexificação de seus sentimentos enquanto um pai em luto – a família é tragada: estão sofrendo o luto da figura que tinham de seu filho. A escolha de ênfase no pai nos proporciona uma nova perspectiva: em geral e convencionalmente, já sabemos o que esperar das mães, mas há pouca representação e reinvenção de outros tipos de figura paterna, que podem ser fragilizadas, que tentam quebrar o ciclo de violência e têm suas vulnerabilidades exploradas. Posto isso, o trabalho do iniciante Owen Cooper, que representa Jamie Miller, é de tirar o fôlego. Jamie oscila entre a busca por compreensão e a sua raiva e frustração distorcidas. E nós oscilamos entre a empatia e o horror: como lidar com uma criança de treze anos que cometeu um crime hediondo? Pois a série se trata de como, enquanto sociedade, estamos tratando os problemas concernentes a isso.
Nossas instituições tradicionais, como família, escola e igreja, têm um papel disciplinar (como a obra de Foucault define), cujas normas disciplinam os sujeitos de maneira que sintam compelidos a agir segundo elas. A arquitetura, a postura exigida nos locais, as vestimentas, os gestos, o discurso etc., tudo isso informa aos sujeitos o modo apropriado de agir. Entretanto, a internet se configura como um ponto cego da normatização, no qual as pessoas podem retroalimentar seus desejos e frustrações atrás do anonimato. Principalmente os jovens, que são facilmente cooptados pelo seu anseio de se encaixar e ser acolhido por algo ou alguém porque se sentem rejeitados e inadequados durante essa fase da vida.
Com a crescente radicalização do discurso conservador acerca das pautas de gênero, houve uma difusão do movimento masculino que busca reafirmar os papéis de gênero segundo uma lógica distorcida de supervalorização de ideais como virilidade e soberania masculina, além de sustentar que os homens são oprimidos pelas mulheres. Diante da falta de figuras e representações sociais saudáveis de masculinidade, esse espaço é ocupado por homens com tal visão de mundo, a qual pode ser muito atrativa a meninos e adolescentes. E a internet é o palco em que esses homens e meninos se encontram, não havendo tipo algum de mediação ou criticidade sobre esse conteúdo.
Aqui há um limite tecnológico próprio: as redes sociais são operadas por algoritmos, que possuem como principal consequência o reforço de crenças. Uma vez que se consome um tipo de conteúdo, o usuário será bombardeado por mais conteúdos semelhantes e, dificilmente, receberá algo contrário a isso. Ou seja, há pouco espaço para a dissonância, para a comparação de opiniões e ideias diferentes, e isso acaba por gerar bolhas inconciliáveis e que, provavelmente, não tomarão conhecimento umas das outras. Deste modo, os jovens que têm acesso a tais influências não possuem outro parâmetro de masculinidade e, assim, toma esse como referência e reforça-o cada vez mais. Portanto, no mundo real e nas redes, a possibilidade de se repensar as masculinidades tem pouca abertura, gerando casos como o representado em Adolescência.
Claro que as redes sociais possuem um papel crucial na vida atual, entretanto há espaços sociais não virtuais que deveriam servir de contraponto. Contudo, não há nenhum tipo de debate consistente que trate sobre a educação de meninos e jovens adultos sobre questões básicas, como saúde mental e sexualidade. E, desse debate, os homens deveriam participar como agentes de referência. Entretanto, este papel ainda é fundamentalmente ocupado por mulheres, em posições de cuidado e educacão de meninos e meninas. Por isso, colocar o ponto de vista do pai Eddie Miller em evidência é essencial para exercer a arte como um local de inflexão de imaginários e de sensibilização.
Assim, Adolescência consiste em um drama provocativo, explora as contradições que permeiam o mundo dos jovens na contemporaneidade e evoca questionamentos fundamentais acerca da participação que temos na educação das novas gerações, dando ênfase à saúde dos meninos e, consequentemente, à necessidade da segurança das mulheres em um mundo marcado pela violência de gênero. Definitivamente, foi um acerto artístico!
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